sábado, 10 de outubro de 2015

Desafios da igreja na tecnologia

Outro dia li um comentário que achei muito interessante. A autor começava lembrando que Moisés, o autor dos primeiros cinco livros da Bíblia, viveu cerca de 3.500 anos atrás, enquanto que o grande pregador John Wesley, fundador do metodismo, cerca de 250 anos antes de nós. O autor provava que Wesley, na sua forma de viver, estaria mais próximo de Moisés do que de nós. Wesley seria capaz de entender muito melhor o mundo em que Moisés viveu do que a civilização de hoje, embora nós estejamos muito mais próximos dele no tempo. 

É evidente que vivemos num mundo em que o avanço da tecnologia é cada vez mais veloz. Eu me lembro que, cerca de trinta anos atrás, quando construímos a obra de Itaipu, ainda considerada uma das maiores da história, não tínhamos fax, computador pessoal e nem Internet, somente telefone, rádio e calculadora de bolso. 

Mas, quando refletimos nesse avanço, não percebemos que a tecnologia transforma não somente o mundo em que vivemos – através de estradas, redes de energia elétrica, redes de telecomunicações, agricultura mecanizada, etc – mas principalmente a forma como nos comportamos. Por exemplo, experimente tirar de uma adolescente seu celular inteligente e/ou seu acesso à Internet e ela vai se sentir uma pária social, enquanto eu vivi minha adolescência muito bem sem nada disso. 

 
Um exemplo interessante dessa mudança de comportamento dentro das igrejas tem como origem o uso, hoje largamente difundido, de retroprojetores para mostrar em tela o texto bíblico em foco. Isso está fazendo com que as pessoas deixem de levar consigo suas Bíblias pessoais para a igreja. Conheço pastores que, inconformados com essa situação, não deixam projetar o texto bíblico em tela, para incentivar as pessoas a carregarem suas próprias Bíblias. Mas essa é uma causa perdida – é lutar contra a maré.


Agora é importante lembrar que as pessoas somente começaram a ter exemplares pessoais da Bíblia nas primeiras décadas do século passado, pois antes as Bíblias eram muito caras e só estavam disponíveis nas igrejas. No máximo, as pessoas tinham acesso a panfletos, com extratos da Bíblia. Portanto, a prática das pessoas lerem a Bíblia em conjunto foi a tradição da igreja cristã por cerca de 1.900 anos de história, até que cada um passou a ter seu próprio exemplar. E agora, por conta do retroprojetor, estamos voltando à condição original - passando de uma leitura individual para uma leitura coletiva. E isso é bom ou ruim? Eu não sei dizer. E fica claro que a discussão sobre as vantagens do uso de novas tecnologias não é tão simples assim - é preciso tomar cuidado para não rejeitar coisas novas apenas por saudosismo.   

Outro exemplo muito interessante desse tipo de desdobramento. Muitas pessoas hoje se queixam do isolamento que os dispositivos eletrônicos pessoais geram na vida das pessoas - os contatos estão deixando de ser diretos (face a face ou por telefone) e passando cada vez mais a serem virtuais.
 
No início do século passado, à medida que o telefone se tornava comum nos Estados Unidos, a mesma preocupação existiu. Há uma série de artigos no New York Times e outros importantes jornais da época alertando para o perigo de se trocar o contato face a face pela conversa via telefone. E como hoje falar ao telefone é algo tão entranhado na nossa cultura, ninguém mais se preocupa com isso. 

 
Voltando mais ainda no tempo, esse mesmo problema pode ser notado no próprio relato bíblico. O apóstolo João em duas cartas datadas de cerca de 1.900 anos atrás, indica claramente lamentar ter que recorrer a textos escritos - a tecnologia para comunicação disponível na época - para se comunicar com os fiéis (2João capítulo 1, versículo 12 e 3João capítulo 1, versículo13). 


Portanto, o mesmo receio que temos das consequências da tecnologia sobre as pessoas hoje, foi aquele que existiu um pouco menos de cem anos atrás, quando o telefone se fez presente e 1.900 anós atrás, quando as cartas passaram a ser usadas de forma corriqueira. É claro que a rapidez da mudança tecnológica hoje torna essa preocupação mais aguda, mas a origem do receio - as mudanças causadas às vidas das pessoas - é a mesma. 
 
Não há como parar o progresso tecnológico e também não há como impedir que as novas tecnologias afetem a forma como vivemos e como as igrejas funcionam. O mundo que temos diante de nós é esse que está aí e não dá para pedir que o “ônibus” pare, para podermos saltar. 

 
É claro que nem todas as tecnologias contribuem para o bem das pessoas. Algumas tornaram nossa vida francamente pior (p. ex. a bomba atômica), enquanto outras resolveram problemas mas também criaram dificuldades (p.ex. o carro nos deu liberdade para deslocamento mas gerou engarrefamento de trânsito e aumentou a poluição urbana). Eu mesmo já escrevi neste blog alertando para o perigo que algumas tecnologias podem representar e os cuidados que precisamos ter com elas (ver mais). 


Mas há exemplos de uso altamente positivo de novas tecnologias. Por exemplo, dois anos atrás um pastor apareceu com um câncer muito agressivo. E sua igreja se mobilizou em oração, para ajudá-lo a enfrentar essa dificuldade terrível. Um dos membros teve uma ideia brilhante: comprou um beep (instrumento que apita quando alguém o aciona) para o pastor carregar consigo e combinou com os demais membros que, quando cada um fizesse uma oração pelo pastor, acionasse o beep. E assim, dia e noite, o pastor foi sendo avisado, por inúmeros apitos, que sua comunidade estava com ele. Aquele pastor acabou curado e testemunhou que a força de que precisava para enfrentar sua batalha diária veio daqueles beeps constantes que chegavam até ele.   


Se quiser continuar a ser relevante no mundo em que vivemos, a igreja cristã vai ter que se adequar ao uso das tecnologias e não criar resistências desnecessárias a elas. Existe um grupo religioso – os amish – que vive se recusando a aceitar os avanços tecnológicos e eles se tornaram irrelevantes para o mundo moderno. 

É preciso que a igreja cristã veja a tecnologia como um meio para atingir um fim. Meios podem ser ruins ou bons, segundo as consequências que gerem e se concorrem ou não para se obter o fim desejado. E é isso que precisa ser sempre analisado com cuidado.



FONTE --------------- The christ

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