sexta-feira, 20 de maio de 2016

Brechas na legislação dificultam punição de pedófilos

A não tipificação da pedofilia como crime na legislação brasileira dificulta a identificação e punição dos pedófilos, que agem livremente sobretudo em sites de relacionamento e salas de bate-papo. Muitos formam uma rede que compartilha fotos e imagens
Marta* suspeitou que sua filha estivesse sendo alvo da investida de pedófilos depois que a menina foi convidada para fazer fotos como modelo e relatou que os fotógrafos e produtores da suposta agência sugeriram que ela fizesse poses sensuais e tirasse algumas peças da roupa que vestia. Assustada, a mãe denunciou a agência à Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente do Estado (Dceca), mas a titular da Dceca, Ivana Timbó, afirmou que para investigar o caso e prender os possíveis pedófilos, teria de fazer enquadrando-os nos artigos que dizem respeito à exploração sexual. “É o tipo de crime que o poder público precisa se articular para criar uma legislação específica.
Os pedófilos formam uma rede forte, que precisa ser desmembrada”, sugere. Além do Brasil não ter formulado uma legislação para crimes cibernéticos, ainda possui brechas no Código Penal que facilitam a ação e a impunidade de pedófilos, abusadores e exploradores sexuais. De acordo com Ivana Timbó, o Código Penal é silente sobre a pedofilia. “A realidade atual não permite que fiquemos atrelados a uma lei tão antiga.
“A dinâmica social fez o Código dormitar”, sentencia. Datado de 1940, ele foi instituído cinco décadas antes do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ser aprovado e criar o conceito de meninos e meninas como sujeitos de direitos.
Mas, até o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) possui falhas no quesito “pedofilia”. A lei prevê reclusão e multa para “quem apresenta, produz, vende, fornece, divulga ou publica, por qualquer meio de comunicação, fotografias ou imagens contendo pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças” (Art. 241), mas não cita os termos “pedófilo” ou “pedofilia”, tampouco prevê punição para quem guarda ou porta essa imagens.
ECA
Segundo a socióloga Marlene Vaz, que há mais de 30 anos pesquisa o fenômeno da violência sexual, em entrevista concedida à Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), os avanços tecnológicos contribuíram para defasar a legislação penal na área dos crimes sexuais. De acordo com a ela, quando o ECA foi aprovado, em 1990, os legisladores nem sonhavam que um dia existiria a pedofilia via Internet.
Mesmo que os parlamentares tenham corrido para suprir essa lacuna, mudando o artigo 241 do Estatuto, eles esqueceram de acrescentar a palavra “manter”, “guardar” ou “portar”. Como resultado, quem guarda imagens dessa natureza em mídia virtual não é passível de punição, desde que fique provado que não repassou o material a terceiros de qualquer forma. “Se existe quem produz fotos e vídeos com crianças é porque há demanda. Tirar a liberdade do cliente de portar o material é uma forma de solapar esse mercado”, argumenta a socióloga. Marlene Vaz salienta que o ato de guardar imagens pode evoluir para a prática de buscar crianças e cometer abusos.
*Marta é um nome fictício. A reportagem preserva a identidade de suas fontes por questão de segurança.
Conheça as brechas nas leis brasileiras
De acordo com um levantamento feito pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), existem sete lacunas no Código Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) que dificultam a responsabilização de quem comete crimes contra meninos e meninas:
1- Pelo artigo 225 do Código Penal um processo judicial por abuso sexual só pode ser instaurado mediante denúncia da vítima ou familiar desta.
O Projeto de Lei (PL) 4850/05 determina a ação penal pública para todos os crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes, impetrada pelo Ministério Público, mas, paralisado desde abril de 2006, o PL foi finalmente aprovado pelo plenário da Câmara no último dia 14 de maio, como parte de um “pacote” de segurança pública. Como houve apresentação de emendas, o projeto volta agora para votação no Senado.
2- O art. 109 do Código Penal permite que os crimes de abuso e exploração sexual prescrevam antes da conclusão do processo. O prazo é de 20 anos
O texto original do PL 4850/05 determinava a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade. Esse item, porém, foi retirado antes da aprovação na Câmara, porque houve o entendimento de que era inconstitucional.
3-O artigo 244-A do ECA emprega o verbo “submeter” para responsabilizar quem explora sexualmente crianças. O termo dá margem a interpretações dúbias, permitindo que os clientes se livrem de punição.
O PL 4850/05 inclui no artigo 228 do Código Penal a pena de reclusão de 3 a 8 anos também para o cliente da exploração sexual.
4- O Código Penal não prevê o crime de “satisfação da lascívia mediante a presença de criança ou adolescente”, ou seja, fazer com que uma criança presencie cenas de sexo entre pessoas adultas.
O PL 4850/05 cria no Código Penal o artigo 218-B, prevendo essa conduta criminosa, com pena de 2 a 5 anos.
5- O favorecimento da exploração sexual de pessoas vulneráveis é delito previsto no ECA, mas ausente do Código Penal, prejudicando a punição de quem contribui de forma indireta com essa prática.
O PL 4850 de 2005 propõe a inclusão desse crime no Código Penal, criando o novo artigo 218-C.
6- A necessidade de depor várias vezes traumatiza a criança vitimada, por forçar uma lembrança dolorosa. Com isso ela acaba desistindo, parando o processo. Já existe o método do “Depoimento sem Dano”, utilizado em nove cidades do Rio Grande do Sul, mas ainda não há lei que o legalize nacionalmente.
O PL 4126/04 institui nacionalmente o “Depoimento sem Dano”. A proposição foi aprovada no plenário da Câmara em maio do ano passado e seguiu para o Senado, onde se transformou no PLC 35/2007. Atualmente encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça. Há previsão de que seja votado nas próximas semanas.
7- O art. 241 do ECA pune quem publica, divulga ou vende imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo criança ou adolescente. Mas a lei não inclui quem guarda esse material. Se não for provado que a pessoa o repassou de alguma forma a terceiros, ela não é responsabilizada.
O Projeto de Lei 4851/05 determina pena de dois a seis anos para quem mantém imagens dessa natureza. Aprovada na Câmara dos Deputados, a matéria seguiu para o Senado Federal em maio de 2007, onde recebeu o n° PLS 254/2004. Mas ainda aguarda votação.
Saiba Mais
A pedofilia é um transtorno de personalidade da preferência sexual que se caracteriza pela escolha sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade, de acordo com a definição da CID-10 – Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde -, elaborada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
As crianças pré-púberes ou no início da puberdade que são escolhidas pelos portadores do transtorno de pedofilia têm, geralmente, 13 anos de idade ou menos. O indivíduo com pedofilia deve ter 16 anos ou mais e ser pelo menos cinco anos mais velho que a criança, conforme os critérios estabelecidos pelo DSM-IV (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders), a classificação dos transtornos mentais feita pela Associação Americana de Psiquiatria.
Ainda de acordo com o DSM-IV, o transtorno de pedofilia começa, geralmente, na adolescência, embora alguns indivíduos portadores relatem não ter sentido atração por criança até a meia-idade. Nessas classificações, a pedofilia está agrupada a transtornos que fazem parte do grupo das chamadas parafilias, que são caracterizadas por anseios, fantasias ou comportamentos sexuais recorrentes e intensos que envolvem objetos, atividades ou situações incomuns e causam sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social ou ocupacional e em outras áreas importantes da vida do indivíduo e/ou de suas vítimas.
Projeto qualifica pedofilia como crime
No último dia 21 de maio, o projeto de lei que tipifica como crime a produção, a divulgação e a venda – inclusive pela Internet – de imagens envolvendo a exploração sexual de crianças e adolescentes recebeu parecer favorável da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ). A matéria, que tramita no Senado como PLS 254/04, vai para a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) antes de ser votada em Plenário.Essa proposta teve origem na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Exploração Sexual e recebeu duas emendas na Câmara dos Deputados, onde tramitou como PL 4.851/05. Uma das emendas amplia os casos mencionados no projeto original, acrescentando, entre as tipificações, os crimes de portar ou comprar tais imagens. A outra inclui entre os casos de “corrupção de menores” aqueles praticados nas chamadas “salas de bate-papo” da Internet, assim como em qualquer outro meio eletrônico.
Segundo a Agência Senado, ao defender o projeto e as alterações realizadas na Câmara, a relatora da matéria, senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), declarou que a emenda sobre as salas de bate-papo “revela-se oportuna, na medida em que a corrupção de menores é, quase sempre, o primeiro passo para a prática desse tipo de crime”. O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) argumentou que a proposta é necessária porque “a legislação ainda não prevê que portar esse tipo de material é crime”.
Também defenderam o projeto os senadores do PSDB Flexa Ribeiro (PA) e Alvaro Dias (PR). Flexa Ribeiro lembrou a atuação da senadora Patrícia Saboya (PDT-CE) à frente da CPI da Exploração Sexual. Já Álvaro Dias ressaltou que outra CPI, a da Pedofilia, “tem uma função fundamental: produzir uma legislação sobre esses crimes.


O Povo Online

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